Um professor de farmacologia e o sofrimento causado pela resistência aos medicamentos
A mulher de Owolabi, com quem estava casado há 19 anos, faleceu após a remoção de um tumor no cérebro. Ele tenta não culpar o hospital onde ela contraiu a infeção que acabou por levar à sua morte. Ele compreende que é difícil manter as condições de esterilização até mesmo nos melhores hospitais da Nigéria. E ele sabe que a mulher foi trata num dos melhores hospitais do país.
Ela estava doente há meses e apresentava sintomas que foram diagnosticados erradamente como estando associados à pré-menopausa. A certa altura, ela foi internada, mas acabou por receber alta. Quando os sintomas pioraram, foi realizada uma ressonância magnética nas urgências que revelou a presença do tumor.
Embora o procedimento fosse complexo e demorasse nove horas, era algo a que o cirurgião estava habituado. O anestesista pediu que fossem administrados antibióticos fortes, incluindo ceftriaxona (Rocephin) para prevenir uma infeção. "Após a cirurgia, fiquei no hospital até por volta das 21:00", relembra Owolabi. "Ela estava totalmente consciente. Vi-a a sorrir para mim e acenei-lhe de volta. Não podia estar perto dela na UCI. Não queria que ela ficasse nervosa".
Owolabi foi para casa, onde os três filhos o esperavam ansiosamente. O som do telefone acordou-o às 02:00.
Disseram-lhe que tinha de se dirigir ao hospital de imediato, sem lhe darem mais explicações. Horas mais tarde, ele viria a saber que a mulher estava com muita febre. "O médico perguntou-me onde vivia. Eu disse-lhe e ele disse que era demasiado perigoso conduzir à noite". Ele estava preocupado com a criminalidade em algumas partes da cidade nigeriana. Eles pensaram que o estado da mulher estava suficientemente estável para esperar pela manhã.
Owolabi correu para a UCI às 06:00 na manhã seguinte. O estado de consciência da mulher tinha piorado. Havia suspeita de aumento da pressão intracraniana. O plano era realizar uma segunda cirurgia para determinar se havia uma hemorragia. Owolabi assinou o termo de consentimento. "Estava preparado para dar tudo para salvar a minha mulher", afirma.
Não havia hemorragia, mas constatou-se a presença de um edema grave do cérebro. Eles tentaram aliviar a pressão no cérebro.
Quarenta e oito horas após a segunda cirurgia, a temperatura e a frequência cardíaca da mulher dispararam. Tornou-se evidente que, embora o tumor tivesse sido removido com sucesso, ela tinha contraído uma infeção, provavelmente no local da primeira incisão. E o tratamento profilático com os antibióticos não tinha sido capaz de travar a infeção.
Foi solicitada uma hemocultura e uma análise dos marcadores de septicemia, entre outros exames. Os médicos administraram também um outro antibiótico, o Meropenem. Considerando que se tratava da Nigéria, onde a malária é endémica, eles administraram ainda antimaláricos.
Recorreram a todos os métodos possíveis para baixar a febre, incluindo toalhas embebidas em água tépida. Mas tiveram pouco ou nenhum sucesso. Num curto espaço de tempo, ela entrou em choque, e a sua pressão arterial caiu para 60/40 mmHg. O seu estado de consciência deteriorou-se ainda mais. Ela foi colocada numa máquina de suporte de vida com terapêutica inotrópica para regular a pressão arterial.
Os resultados da hemocultura revelaram o crescimento de bactérias coliformes resistentes a todos os antibióticos utilizados. Os médicos decidiram experimentar colistina, um antibiótico de último recurso que é escasso, caro e tóxico. Mas o medicamento tinha de ser trazido do Reino Unido por um farmacêutico que era parente de Owolabi, uma vez que a "procura agonizante e exaustiva pelo medicamento na Nigéria tinha sido em vão".
Mesmo depois de lhe ser administrada a colistina, a mulher de Owolabi permaneceu no hospital sem demonstrar resposta ao tratamento durante sete semanas. Por volta da sexta semana, deixou de ter febre e entrou em hipotermia, com uma queda de temperatura para 36,2 ˚C.
Owolabi estava de licença da universidade onde ensinava Farmacologia e raramente saía do lado da mulher. A sua filha mais velha estava a estudar para os exames da faculdade e o filho mais velho estava a preparar-se para os exames de admissão na universidade. Ele não sabia bem como cuidar dos filhos. Não era só a sua mulher que estava no hospital, mas também a mãe deles. Eles tinham o direito de saber o que se estava a passar, pensou. Um dia, levou a filha com ele.
Uma noite, Owolabi viu a mulher num sonho. "Ela foi dar-me um abraço". Depois despediu-se. Faleceu dois dias depois.
Mais para o final, os médicos concordaram que se tratava de septicemia causada pela resistência aos medicamentos antimicrobianos - um problema de saúde pública global que mata cerca de 700.000 pessoas todos os anos. Não havia maneira de descobrir a fonte da infeção. Talvez o bloco operatório. Talvez a unidade de cuidados intensivos.
Owolabi pode não culpar o hospital, mas sente-se revoltado com a maneira como as pessoas vivem no seu país - as dificuldades financeiras e a facilidade de comprar medicamentos sem receita médica e de as pessoas se automedicarem, muitas vezes incorretamente. "O problema é a falta de controlo na distribuição destes medicamentos", explica. E é assim que os micróbios que penetram o corpo dos humanos e animais podem sofrer mutações e ganhar resistência aos medicamentos que foram criados especificamente para os eliminar.
Owolabi continua a dar aulas e salienta cada vez mais aos seus alunos a importância de tomar antibióticos e outros medicamentos para o combate de infeções de modo responsável. "A minha experiência teve um impacto na minha vida e na maneira como ensino Farmacologia", diz solenemente. Ele fala com os colegas e alunos, muitos dos quais tencionam entrar em Medicina ou Farmacologia, sobre a dimensão deste problema. "Têm de ser mais responsáveis com as receitas médicas e o tratamento das infeções", diz ele.
Ele não costuma falar sobre a mulher aos alunos. "Mas ela tem influência sobre aquilo que ensino sobre os antibióticos".
Owolabi pediu para manter o anonimato.